“olha aqui, preste atenção, essa é a nossa canção….”
- Camila Monteiro
- 16 de fev. de 2024
- 3 min de leitura

Foco, queridinhos!😐🤐👀👂🏻! Eis, aqui, mais um grande benefício que a falta de visão nos traz, e, claro, nos força a adquirir o tempo todo! É muito comum ouvir as pessoas que não têm deficiência dizerem: “ como tu não enxerga, tu tem os outros sentidos bem mais aguçados e desenvolvidos” Fato que tem somente meia verdade. O que acontece é que aprendemos a desenvolver os outros sentidos, tornando-os mais fortes e capazes de nos fazer identificar o que os nossos olhos não veem. Os nossos outros sentidos não nascem mais desenvolvidos. Nós que treinamos e fazemos deles fontes de segurança, de autonomia.
Quando a gente não enxerga, somos obrigados a usar mais os ouvidos e o tato. Por exemplo: quando vamos atravessar a rua, precisamos estar 100% concentrados no barulho do trânsito, no sinal sonoro do semáforo, caso tenha, no movimento das pessoas ao nosso redor. Tudo isto vai fazer com que a gente se dê conta se existe alguém já atravessando a rua, se os carros estão diminuindo a velocidade, se estão parados. Enquanto um vidente consegue perceber se pode ou não atravessar a rua em segurança utilizando somente a visão, um DV precisa ter esta certeza sem usar os olhos. A única forma de se conseguir este objetivo é acionando os outros sentidos.
Outro exemplo é quando assistimos um filme no cinema ou em casa. Quem enxerga simplesmente assiste o filme, consegue ver as cenas, as características e as personagens, em geral. Nós, DV’s, precisamos da audiodescrição para poder entender tudo o que é visual. Se o filme for estrangeiro e não entendermos o diálogo no áudio original, podemos assistir na modalidade dublada, o que resolve um dos problemas. Porém, para que a gente entenda todo o contexto do filme, é fundamental termos acesso a audiodescrição para sabermos além dos diálogos. Este recurso de acessibilidade é o sinônimo de foco, pois, se não estivermos totalmente concentrados no que há áudiodescrição está dizendo, a tendência é perder o fio da meada.
Falo isto porque precisamos ouvir tanto os diálogos que o filme traz quanto a descrição da cena, duas coisas que, às vezes, acontecem juntas. Tipo: um casal acorda e o homem decide preparar o café da manhã para a esposa. Na cena, a mulher está deitada e o homem chega no quarto com uma bandeja. Ele se aproxima da esposa e, carinhosamente, a acorda, logo depois de deixar a bandeja com o café na mesa de cabeceira. Todo este movimento está sendo narrado pela audiodescrição. Aí, a mulher acorda, senta na cama, e o marido lhe entrega a bandeja. Ele diz: “trouxe o café para você, meu amor. Sabe, pensei no que conversamos ontem e acho que você tem razão. Seria ótimo se conseguíssemos viajar por um pouco mais de tempo nas nossas próximas férias”. Enquanto o homem Fala isto, a audiodescrição narra o que ele está fazendo durante a fala. Tipo: “Daniel senta-se ao lado de Marta, passa a mão na própria nuca. Olha pra cima e depois a encara”.
É claro Que áudiodescrição não fala ao mesmo tempo que os diálogos acontecem, mas, ela descreve as cenas e as personagens nos pequenos intervalos entre os diálogos e os silêncios entre uma fala e outra, as pequenas pausas entre elas. As vozes são diferentes, o que permite que a gente identifique o que é audiodescrição e o que é o diálogo. Entretanto, apesar de ser maravilhoso e libertador poder assistir um filme sem precisar perguntar qualquer coisa a quem está assistindo com a gente, é algo bem cansativo e demanda uma atenção extrema.
Estes dois exemplos mostram o quanto a falta de visão faz com que o foco seja automático. Sem ele, é impossível lidar com a deficiência. Por isto, indico este belo exercício para vocês, videntes! Brinquem com este recurso de acessibilidade, quando tiverem a chance, fechando os olhos e tentando viver a experiência de não enxergar. Outra brincadeira bacana para praticar o foco sem ter a visão é fechar os olhos enquanto está em um lugar com bastante gente, e tentar se concentrar nos diálogos e no que está acontecendo ao redor do ambiente, como barulhos e que barulhos são estes, que assuntos estão sendo conversados, prestar bastante atenção nas vozes das pessoas e nos tons em que elas estão falando….
Estas práticas ajudam a gente a identificar humores e a entender os ambientes onde estamos usando os outros sentidos, nos desprendendo um pouco da visão. No mais, já dá para ver o quanto o foco é essencial pro DV e o quanto ele é peça chave pra uma independência maior e melhor. Então, vidente, bora praticar o foco?😯