top of page

“…. se isso não é amor, o que mais pode ser?, vou aprendendo também….”

Foto do escritor: Camila MonteiroCamila Monteiro


Foto da Camila Monteiro de óculos escuros num lindo dia de sol, escorada numa sacada com o mar de fundo
Nas viagens,é preciso reconhecer a peculiaridade dos locais

Aprender o novo e aprender de novo? Sim, nós, DV’s, podemos e fazemos!😌

A deficiência visual exige que a gente aprenda, de formas diferentes, tanto o que é novidade quanto aquilo que já sabemos, mas, que com a perda total ou parcial da visão, precisamos reaprender fazendo de uma outra maneira. Acredito que este quesito seja o mais difícil emocional e praticamente, porque é aqui que a gente se dá conta de que a nossa vida mudou. É neste momento que chegamos a uma encruzilhada que vai definir o nosso futuro: ou encaramos a realidade e fazemos o que for necessário pra buscar cada vez mais autonomia, entendendo que é possível continuar fazendo as coisas que sempre fizemos, porém, de outra forma, ou paramos no tempo, praticando a vitimização, o comodismo e a reclamação constantes, nos afundando cada vez mais em uma “vibe” âncora.

Assumir que precisamos de ajuda e aceitar a nova condição são os primeiros passos rumo ao treinamento que sempre falo aqui. É a partir daqui que precisamos incorporar na nossa rotina a percepção do mundo através dos outros sentidos, reconhecendo, recomeçando e refazendo aquilo que mais gostamos. Sugiro o que já nos é familiar porque nos dá a sensação de mudança mais leve, de maior segurança por conhecermos a base do que estamos fazendo, de não estarmos partindo do zero.

Nesta situações, só precisamos pensar nas estratégias para transformar a atividade em algo mais fácil e tranquilo, o que vai trazer mais confiança e mais autonomia paro o nosso cotidiano. Vou dar alguns exemplos meus com o objetivo de ajudar e de me fazer entender:

Sempre amei cozinhar. Entretanto, na medida em que eu fui perdendo a visão, essa tarefa tornou-se mais perigosa e mais lenta. Embora eu tivesse total consciência destas dificuldades, me permiti tentar fazer o que sempre amei fazer, pensando e aplicando táticas para minimizar os riscos.

Além de marcar potes, recipientes e embalagens de maneiras diferentes para identificar ingredientes, como fitas durex, pequenas marcas e diferentes formatos e texturas, eu separo tudo o que é necessário para o prato que vou cozinhar, nas quantidades exatas, sempre antes de ligar o fogo e colocar na panela ou fôrma. Na hora em que vou cortar os ingredientes, como carnes, temperos, legumes e verduras, não tenho pressa e “calculo” com os dedos, através do tato, os tamanhos dos pedaços e a distância entre os meus dedos e a faca.

Já falei sobre isso tanto no blog quanto no meu canal do youtube, nos quais sou bem detalhista com relação a estas táticas, mas, neste post, minha intenção é descrever as estratégias e todo o raciocínio que elas exigem. Ao antecipar todas as tarefas que envolvem a atividade de cozinhar, transformo algo do qual gosto em algo funcional e seguro pra mim. O ponto negativo disto tudo é que, quando eu cozinho, demoro bem mais tempo do que uma pessoa que enxerga demoraria para fazer o mesmo prato, já que ter visão torna tudo mais prático.

Outro exemplo é arrumar roupas ou acessórios nos armários. Sempre fui meio “psicopata” de organização, até mesmo em meio à bagunça. Procuro deixar meus cabides e as roupas dobradas nas gavetas sempre na mesma ordem, além de fazer cortes específicos em etiquetas de roupas e marcações em alguns cabides, caso eu tenha alguma dificuldade de identificação. Então, minha dica é que tu comece o teu processo de aprender aquilo que tu já sabe por tarefas que tu goste, mesclando estas com as mais prioritárias, as quais vão facilitar a tua vida e vão ser, de fato, mais funcionais.

Aprender coisas novas sem enxergar também é muito difícil, mas, na medida em que tu for aperfeiçoando os teus outros sentidos e se sentindo mais seguro, tu vai perceber o quanto a falta de visão te força a compreender o que está ao teu redor de maneira mais sensorial, proporcionando um conhecimento ainda mais profundo do que o visual. É óbvio que é bem melhor a gente enxergar, porém, como não estamos podendo no momento, devemos usar outras ferramentas, né?😄🤣!

Vamos aos meus exemplos, novamente: Quando conheço pessoas, procuro ficar atenta ao seu tom de voz e aos rápidos detalhes que tenho acesso quando elas me cumprimentam, como barba, óculos, cabelos, além de tentar perceber se esta pessoa está com algo na mão, como pratos e copos, crianças ou Pets! Sim, é isso mesmo! Como não enxergo, procuro ser bem precavida com relação a isso.

Sempre pergunto se a pessoa está segurando algo ou alguém, e sempre digo que sou deficiente visual pra que não haja acidente. Esta simples e "cara de pau atitude" quebra o gelo e evita riscos para mim e para as pessoas envolvidas. O fato de ficar atento aos detalhes da pessoa em questão facilita o processo de reconhecimento em próximos encontros, o que ajuda muito no processo de socialização.

Quando eu viajo para algum lugar pela primeira vez, procuro sentir a cidade, seja através do trânsito e dos tons de voz das pessoas que passam por mim, pela maneira que sou tratada nos hotéis e lugares que frequento, pelo reconhecimento daquilo que li e ouvi falar sobre o local, ou por algo típico da cidade, como comidas e pontos turísticos. É claro que sempre peço ajuda e informações específicas para as pessoas que estão comigo, o que me dá uma noção ainda maior do ambiente, mas procuro investir meu tempo nas experiências em que tenho maior autonomia, como locais que fornecem áudio guia ou qualquer outro tipo de acessibilidade, o sabores de comidas e bebidas que fazem a gastronomia do local, o cheiro da cidade em geral, enfim, tudo o que eu puder absorver com relação a esta nova cidade, certamente, vou absorver. Porém, sem enxergar, só percebendo e sentindo o que o lugar tem pra me oferecer.

No caso de aprender coisas novas e conhecer lugares e pessoas, minha dica é que tu te abra o máximo possível, pois, o único obstáculo que tu vai ter com relação a isto é a falta de visão. No resto, é fundamental lembrar que o processo de socialização não se resume somente a enxergar. Conversa com as pessoas, pergunta e pede ajuda, menciona a tua deficiência para que as pessoas percebam e respeitem isso, te abre pra vida e para os bons momentos, para o que é novo e tudo de bom e de ruim que esta experiência pode te trazer. Só assim pra saber lidar com a situações que vivemos e só assim para tu evoluir cada vez mais na tua independência, autoconfiança, autoestima e auto aceitação. Aproveita o que a vida te dá e, dentro do possível, no teu ritmo, opta por aprender e ensinar com a tua deficiência.

11 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page